quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Artigo Jornal de Coruche - Outubro 2008

Num liceu de muitos tempos
Pelo meio de atalhos ou pela calçadinha, passando por rotundas e passeios, chegamos à Escola Secundária de Coruche, ou como é mais vulgarmente conhecida, ao liceu. E antes de podermos subir a rampa, salta-nos à vista uma diferença. A portaria funciona agora como uma primeira triagem para que visitantes possam entrar. Depois de então preenchido o impresso com o nome, hora de entrada, assunto e local aonde nos dirigimos, lá podemos seguir viagem num passado que já não é o nosso. “Antigamente não havia esse controlo” - recorda José António Martins, antigo aluno da Escola Secundária – que defende que ”os jovens devem ter liberdade para poderem fazer escolhas”. Mas agora todos os alunos são obrigados a passar o cartão de estudante electrónico nos sensores existentes, de forma a indicar a entrada e saída no recinto escolar. Para além disso, o cartão identifica os estudantes e permite também pagar todos os bens e serviços adquiridos na escola. O velho cartão de papel que raramente acabava o ano intacto foi substituído no último período do ano passado. As vantagens são muitas, mas existe um pequeno senão, como refere Sara Júlio do 10º ano, “se falta a luz e o sistema vai abaixo, temos que estar muito tempo sem comer, o que já aconteceu durante uma manhã inteira”. Durante a tarde tudo parece igual. Mas passam alguns minutos das quatro - hora de intervalo - e são poucos os alunos que estão no pátio. Comparando com os tempos antigos, ninguém diria que a campainha acabou de tocar para sair. Não há alunos amontoados à porta dos blocos, não se ouve o constante burburinho provocado pelas vozes ainda por definir dos jovens. Vejo apenas três ou quatro alunos dispersos enquanto caminho na direcção da Papelaria onde se situa a porta de entrada para o bloco. Aí, está um quiosque. Um ecrã, onde através do cartão electrónico, cada aluno encomenda as refeições da cantina. O mesmo cartão pode ser carregado com um montante mínimo de um euro e todos os artigos da papelaria (onde se efectuam os carregamentos), da reprografia e do bar são descontados no saldo. Seguindo até ao bar as cores são outras. Mais vivas. Os tons de azul, laranja e verde alface animam o espaço praticamente vazio. Mas do outro lado do balcão quase tudo permanece igual. Mariana Neves é funcionária do bar “há tanto tempo que já perdeu a conta”. “Trinta e tal anos…” - diz a medo. Está aqui há tempo suficiente para ter acompanhado várias gerações, hábitos, costumes, transformações. Num espaço de trabalho que entretanto foi ampliado, Mariana considera que uma das grandes mudanças tem que ver com a alimentação dos alunos. As batatas fritas de pacote, a Coca-Cola, chocolates e donuts já não estão do outro lado da vitrina. O espaço vazio é ocupado pelos iogurtes, fruta, sumos naturais e outros alimentos igualmente saudáveis. Mas a fatia de bolo de chocolate, que se vende uma a duas vezes por semana, o pão com chouriço e os croissants continuam a matar a fome dos mais novos que até concordam com esta mudança. “Há quem não goste, mas assim é melhor para evitar futuros problemas de saúde como a obesidade”, diz Alexandre Martins, 10º ano. O Miguel Nuno, do 11º ano, adianta que se “a escola dá formação aos alunos, essa deve passar também pela aprendizagem de bons hábitos alimentares”. O mesmo defendem os eurodeputados, que querem proibir na totalidade a venda de alimentos e bebidas com elevado teor de gordura, sal ou açúcar. A União Europeia fez recentemente um apelo às autoridades escolares para que controlem e melhorem a qualidade e as normas nutricionais das refeições nas escolas e nos infantários. Cuidados que já estão a ser postos em prática pela Escola Secundária de Coruche e que, de acordo com Mariana Neves, “têm feito a diferença” porque nota que “os alunos já começam a ter mais cuidado com o que comem”. No entanto, José António Martins, defende que a solução não passa pela proibição da venda desse tipo de alimentos porque “se não compram na escola, acabam por comer em casa ou noutro lado qualquer”. O mesmo refere Frederico Condeço, 36 anos. Para o antigo aluno, este é um assunto preocupante, (prevê-se que nos próximos dois anos, pelo menos mais 1.3 milhões de crianças serão obesas ou terão peso a mais), - mas defende que a solução deve passar pela actividade escolar. “Os jovens de hoje ocupam o tempo com a televisão, jogos de computador, filmes, telemóveis…Antigamente, no intervalo de dez minutos íamos jogar futebol, fazíamos torneio de matraquilhos e pingue-pongue, jogávamos à bota e ao lá-vai-alho…éramos mais enérgicos”. Agora os estudantes passam mais tempo entre quatro paredes. Na biblioteca dispõem de uma pequena videoteca e de um espaço de informática com alguns computadores ligados à Internet. Maria da Conceição António trabalha aqui há uns bons anos e tem acompanhado a evolução do espaço que deixou para trás o ar escuro e invernal de outros tempos para ganhar novas cores frescas e juvenis. O chão, com riscas de tons ácidos, prolonga-se por mais duas salas que foram acrescentadas à biblioteca. As estantes de madeira sóbria e escura que preenchiam as paredes da sala são agora de um castanho caramelo, pequenas mas em maior número, distribuídas harmoniosamente. Na entrada, há ainda espaço para a leitura diária dos jornais e revistas. A biblioteca está mais atractiva para os alunos que, como diz Mª da Conceição, “estão mais ligados à parte tecnológica. Antes de a Internet aparecer consultavam-se mais livros e enciclopédias”.
Da biblioteca Frederico não tem grandes lembranças. “Passava lá só para cumprimentar a D. Conceição”, porque “criavam-se laços entre os alunos e os funcionários”. “Agora” - diz - “os jovens já não ligam a certas coisas que nós ligávamos. Há contínuos que não esquecemos e que cumprimentamos ao longo da vida.” Mariana Neves refere que essa é a principal diferença no comportamento dos jovens, pois “agora há menos interacção e as relações são mais frias”. Os alunos de hoje não sabem o nome dos funcionários, não fazem tanto barulho, não ocupam o tempo com as mesmas coisas e também não fumam. Pelo menos, dentro da escola. O fumo foi proibido, mesmo nos espaços ao ar livre. Algo que não levanta muita polémica: a maioria concorda. Ricardo Marques, aluno do 12º ano, acredita que essa proibição tem tido influência no número de jovens fumadores. ”Os mais novos não vêem os mais velhos a fumar e como na adolescência há uma tendência para a imitação de comportamentos, os novos hábitos acabam por ser copiados.” Os hábitos dos alunos foram os que mais mudaram, uns para melhor, outros para pior.
Gerações de adolescentes que entram e saem por este portão. Entrego o impresso assinado com a devida hora de saída e deixo para trás um liceu de agora, mas com as mesmas caras que tão bem conhecem os futuros homens e mulheres de amanhã.


Texto e fotografias: Laura Macedo

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