quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Artigo Jornal de Coruche - Novembro 2008

Nos bastidores do mercado

Estão onze graus às seis horas da manhã. Coruche ainda dorme. Os primeiros sinais de um novo dia acontecem ainda durante a noite nos bastidores do Mercado Municipal. Caixotes de hortaliças, batatas, frutas e paletes de peixe esperam já pelos vendedores habituais.
Do outro lado da rua, a vila começa também a ganhar vida. As luzes acendem-se dentro dos cafés. Levantam-se as cortinas e baixam-se os toldos. Os jornais diários e as revistas são descarregados nas bancas e há até quem espere ansiosamente para folhear as primeiras páginas.
É quinta-feira e o mercado abre as portas uns minutos antes das sete. A primeira banca a ser preenchida é a do peixe fresco. O senhor António Marques faz os últimos preparos para começar um novo dia de vendas que, segundo diz, “são muito ruins hoje em dia”. Lulas, robalos, peixe-espada, douradas, carapaus, acumulam-se na ba
nca à espera dos primeiros clientes. Hoje em dia só começam a chegar a partir das nove ou dez horas da manhã. Mas o Sr. Marques queixa-se de que “são cada vez menos, aparece gente mas não é igual ao que era”. ”Há dez anos atrás” – continua – “as vendas começaram a cair. A crise também ajuda, o poder de compra é mais baixo.”
Felícia Luís vende há vinte e dois anos neste mercado e refere que, para além da crise, os supermercados também vieram tirar clientes. “Aqui a fruta e as hortaliças têm mais qualidade, mas no supermercado, como podem comprar tudo de uma vez, acabam por não ligar nem à qualidade nem aos preços. Muitas vezes pagam o mesmo que aqui ou mais caro”. Mas nem todos os clientes o fazem. Para bem da manutenção do mercado, ainda há qu
em prefira o mercado tradicional às prateleiras e corredores das grandes superfícies. Domingas Galvão é cozinheira no restaurante O Rossio e vem ao mercado todos os dias. “Gosto de vir aqui, os produtos são mais caseiros”, diz. À sexta-feira faz as compras maiores para o restaurante, nos outros dias da semana, atravessa a rua para vir buscar aquilo que fizer falta.
Na banca em frente está Maria Antónia Conceição, uma alentejana do Redondo que assentou praça em Coruche há 54 anos. Maria Antónia não vem para aqui pelo dinheiro. Durante a semana as vendas são muito fracas. Os dois euros e meio ou cinco euros que factura por dia não compensa os trinta e oito euros que paga mensalmente pela banca. Mas é o seu passatempo, confessa – “eu estou sozinha, sou viúva, e prefiro vir para aqui do que ficar e
nfiada em casa. Ao menos aqui distraio-me com alguém que vá passando e falando”.
Três bancas montadas e um cliente rara a vez fazem os dias de semana do mercado. Só ao Sábado o ritmo é outro. O silêncio das manhãs de semana acaba e ouve-se o burburinho das conversas, e sentem-se os cheiros misturados das verduras, do peixe, dos queijos e as cores enchem por completo as bancas do mercado.
Maria Espadaral vem quase todos os sábados porque “gosta mais de vir aqui”. Também vai aos supermercados, mas é na praça que compra “sempre as hortaliças e os frangos porque os produtos são melhores”, refere. A maioria das pessoas queixa-se dos preços, mas Maria Espadaral não concorda, “agora tudo é caro, por isso, prefiro comprar aqui que é tudo caseiro e
fresco.”
“Aqui é tudo nosso! As couves, as nabiças, os repolhos, alho francês…isto são tudo coisas nossas! Laranjas, pimentos, cenouras, feijão verde, é tudo da nossa produção!”, grita Maria Germínio detrás da banca onde vende há catorze anos. “As pessoas queixam-se dos preços, mas temos que comprar adubos, pesticidas, estrumes, gasóleo para os tractores…”. O produto tem que fazer render os custos da produção.
Maria Guilhermina tritura salsa enquanto justifica também os preços mais altos. “Dantes vendíamos uma coisa por cem escudos, agora vendemos por um euro. É o dobro. O adubo também aumentou. É tudo mais caro! Não podemos vender muito barato, senão mais vale estarmos quietos.” Já com os seus setenta e poucos anos vem vender na praça há cerca de quarenta. Agora vem só aos sábados porque, segundo diz, “já não vale a pena vir
nos outros dias”. “No princípio”- recorda - “quando chegava, já nem tinha banca porque estavam todas ocupadas! Mas agora há muito menos clientes e os próprios vendedores deixam de vir”.
Alguns vendedores deixam de vir porque não têm lucro, outros vêm por amor à camisola. Às onze horas da manhã, Cristina Brasileiro já vendeu quase tudo. Restam-lhe apenas algumas abóboras para esvaziar a banca. A avó vendia aqui há 47 anos e um dia Cristina teve que substituí-la. Ganhou-lhe o gosto e continuou a vir já lá vão dois anos. “Gosto de vender, contactar com as pessoas, ter experiências novas, vivências novas”, são algumas das razões porque Cristina começou a vender na praça. “Agora já não consigo abandonar isto” – diz com um brilho nos olhos e um sorriso nos lábios.
Uns vêm por gosto, outros para passar o tempo, outr
os por necessidade. Enquanto houver vendedores, haverá sempre um cliente a preferir o tradicionalismo, o cheiro e a nostalgia do mercado. Haverá sempre um novo dia a começar ainda noite e a acordar a vila de Coruche.


Texto e fotografias: Laura Macedo

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